• Conto: Conte até três - Parte 1

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    Os ingressos cor de rosa com o leve emblema cinza opaco com dia e hora impressos, ainda estava no mesmo lugar que eu havia deixado ao recebe-los pela manhã, eram bonitos, chamavam a atenção mas naquele momento não serviam para absolutamente nada, não que eu não gostasse de festas, e até fiquei entusiasmada por um momento, mas a sensação sumiu tão rapidamente quanto havia surgindo, aconteceu porque me dei conta que não havia ninguém, e por mais que gostasse de fazer tudo por conta própria, só não gostava de ir sozinha a festas. Essa em especial iria ser a primeira, desde que voltara a viver na pequena cidade sem graça e tediosa do interior com meus pais, festas por aqui não eram um luxo que eu deixaria de perder, pelo menos não a um tempo atras. 


    Depois de ter desistido na metade graduação de Administração em uma das mais concorridas faculdades do estado, abandonado os amigos, a vida de viver sozinha em um apartamento tendo como companhia um peixinho azul nadando solitário em seu, aquário minusculo, eu estava altamente perdida em meio à pensamento nostálgicos, quando um chute em umas das caixas com sei lá o que dentro, que estavam no chão me trouxeram de volta a vida.


    - Aii! Preciso jogar essas coisas fora antes que perca um membro desse corpo.


    Revirei os olhos, no meu melhor estilo dramática dramática de ser, pelo menos uma coisa ainda é a mesma. O primeiro item a ser organizada no quarto, que havia virado depósito de quinquilharia da família, foi o espelho. Decidi deixa-lo exatamente no mesmo lugar que o antigo costumava ficar, ao lado da cômoda, onde a parede é totalmente iluminada pela luz que entra pela janela. O antigo quebrou na viagem que pensei ser a última mudança partindo de uma casa que não era minha, mas o mundo gira, e afinal, foi eu quem decidiu voltar.



    Ficou bonito, o espelho, esse tem uma moldura branca no melhor estilo vintage francês que estava a venda na antiga vidraçaria, da antiga cidade. Mas espelhos, por mais adornados que sejam, só serviam para mostrar o quão aterrorizante eu estava. As olheiras, contrastavam com o cinza dos meus olhos, meus cabelos gritavam por um corte e uma hidratação, não tinha nenhuma unha onde o esmalte preto não estivesse descascado, e o vestido azul com um laço ridículo marcando a cintura estava apertado, mas foi a unica coisa que eu encontrei nas roupas esquecidas, que havia opcionalmente abandonado nesse quarto 2 anos atrás. E eu não o usaria se não fosse necessário, mas as roupas sofreram um acidente de percurso e ainda não haviam sido entregue pela empresa contratada para realizar o serviço.


    - Sophie! --Minha mãe gritou. - O almoço está na mesa, não vou chamar duas vezes.


    Prendi o cabelo em um coque bagunçado que havia aprendido á algum tempo no youtube, lavei as mãos e o rosto na esperança de parecer mais acordada, entrei na cozinha, sentei no lugar de sempre, ao lado da cadeira vazia onde costumava sentar meu irmão.


    Havia esquecido a sutileza da minha família, os Vizotto, nunca foram do tipo de família que deixam qualquer coisa passar despercebida, e desde que anunciei minha decisão de sair da faculdade, fui bombardeada com todas as perguntas possíveis sobre o assunto, porque responder que eu estava fazendo algo que me deixava infeliz não era resposta  suficiente, eles continuaram a falar sobre tempo perdido como se eu não soubesse disso, além de querer saber até sobre os preços da mudança, ou qualquer outra coisa que não me importava e não queria responder. Tentei evitar o máximo que pude, mas não demorou muito.


    - Já sabe com quem vai na festa de formatura do seu primo?  -- Minha avó fez questão de dar enfase a palavra "formatura".


    - Não, ainda não. --Respondi sem querer ser grossa, mas acho que soou um pouco assim.


    - Porque não chama um de seus amigos da escola? --Insistiu.


    - Porque todos eles estão casados ou se mudaram.  --Realmente não queria entrar nesse assunto de novo, parece que todos os que um dia passaram por mim, deram certo na vida e eu fiquei estagnada no mesmo lugar. - Talvez eu convide alguém, amanhã. --Era mentira - Acho que a Clara deve estar por aqui ainda. -- Deixei a resposta vagar no ar e terminei de comer quieta, respondendo com aham, e não, até eles pararem de fazer perguntas.


    Clara, era minha melhor amiga do tempo da escola, mas eu sabia que ela já tinha convite para a festa, afinal seu namorado estaria se formando na mesma ocasião que meu primo Jean. Meu deus, é só uma festa porque estou tão incomodada em achar alguém que eu não vou dar a menor atenção pra ir comigo? Se eu ir sozinha, vou ter que aguentar mais um rodada de perguntas nos próximos almoços em família, e dos vizinhos, e de quem quer que fosse, porque em cidade pequena, todos querem saber da vida de todo mundo, e já não era assunto suficiente ter largado a faculdade e voltado a viver com os pais, eu sabia que teria que achar alguém.


    A tarde passou mais rápida do que eu esperava, não consegui fazer muita coisa relevante e era quase noite, quando finalmente consegui abrir espaço no quarto, para chegar até a cama, botei lençóis limpos, arrumei a cama sem motivo, mas só me deu conta quando tinha terminado, suspirei e deitei da maneira mais desengonçada possível, mas era bom. A cama era antiga, e com certeza a melhor do mundo, agora lembro porque eu teimei tanto em leva-la embora comigo da última vez.


    O primeiro dia em casa foi mais exaustivo que o esperado, e em menos tempo que calculei já estava começando a piscar mais demoradamente, mas antes, o ritual adotado desde o ensino fundamental selecionar 3 coisas importantes que seriam necessárias para ter um dia mais fácil. Automaticamente, puxei uma agenda de dentro do bolso lateral da minha bolsa de mão. A agenda era pequena, com as folhas totalmente brancas e sem linhas, uma pequena coruja estampava a capa de couro azul, não azul, turquesa, peguei a caneta que a acompanhava no mesmo bolso, e escrevi com dificuldade e com os olhos semi-serrados a lista que já havia feito mentalmente antes de deitar, descartando as coisas desnecessárias,  inúteis e que não me importavam cheguei a apenas 3 coisas.


    1 - Terminar de tirar a bagunça do quarto para receber o resto das minhas coisas;


    2 - Cortar o cabelo e arranjar um vestido usável para a festa.


    3 - Encontrar a porcaria de um ser para levar comigo na formatura.


    Fechei e guardei a agenda embaixo do travesseiro, então encarei os ingressos mais uma vez, só mais uma, antes de adormecer.


    Continua...


     

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